Antes de tudo, far-se-á mister ter em mente algumas breves
considerações. Observe as seguintes palavras de Jesus:
“Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não
vim para revogar, vim para cumprir.” (Mat.
5:17)
Destaco isso porque, em determinada ocasião, um irmão adepto da teoria antinomista (dos que sinceramente
acreditam que a lei moral divina fora ab-rogada) me disse algo surpreendente:
“a vida de Jesus foi uma
concretização da lei do Pai, pois esta fora por Ele
exemplificada no seu mais pleno sentido”.
Apesar
de contraditoriamente concluir depois algo inteiramente oposto à asserção supra, não deixa de ser um tipo de
reconhecimento da realidade de que Jesus não poderia mesmo ter sido um Cordeiro
sem mácula acaso falhasse no dever de obediência à vontade do Seu Pai. O apóstolo Paulo enfaticamente nos diz que
“durante
a sua vida aqui na terra, Cristo, em voz alta e com lágrimas, fez orações e
súplicas a Deus, que o podia salvar da morte. E as suas orações foram atendidas porque ele era dedicado a Deus. Embora
fosse o Filho de Deus, ele aprendeu,
por meio dos seus sofrimentos, a ser
obediente. E, depois de ser aperfeiçoado,
ele se tornou a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem.”
(Hebreus 5:7-9 NTLH)
Bem
sabemos que o salário do pecado é a
morte, e o apóstolo S. João claramente o
definiu como sendo a transgressão da Lei
moral divina (1 João 3:4).
Tendo
isso em mente, o Salvador garantiu que Ele não veio para mudar a Lei, tornando
assim o plano de salvação algo incoerente. Afinal, por que pagar a dívida por
nossa “desobediência” em virtude de uma Lei que poderia ser mudada?
Ele
veio assim para cumprir a Lei (que nesse texto se refere aos escritos de
Moisés) no sentido de dar a ela o seu verdadeiro significado e mostrar a
amplitude espiritual dela. Esse é o significado do termo grego para
“cumprir” (pleroo).
Sob este aspecto, ao lidar com simples mandamentos como o “não matarás”, ele tornou ainda
mais profundo e “cheio” o sentido deles. Pois quando os Rabis diziam: - “não
transgredimos a lei”, Jesus então ripostava: quem odeia seu irmão já é
considerado por Deus como um assassino. A mesma coisa com os demais
mandamentos, a exemplo do “não adulterarás”, pois quem adultera não é só aquele
que já partiu para a ação, mas também o que já sente ou pensa algo a respeito.
E
deste modo, ao nunca odiar, agir ou pensar qualquer pecado, Ele efetivamente
cumpriu por Si mesmo e de modo pleno toda a Lei. Coisa que ser humano algum
poderia fazer mediante os seus próprios esforços. Daí carecermos constantemente
da Sua Graça.
CHARLES
H. SPURGEON (célebre pregador batista), em um sermão pregado em Londres, em
1898 e publicado na íntegra no jornal australiano Melbourne Age, disse
claramente com relação ao Decálogo:
“A
lei de Deus é perpétua. Nela não se admite ab-rogação ou correção. Não deve ser
alterada ou ajustada à nossa condição pecaminosa: mas cada um dos justos
preceitos do Senhor permanece para sempre... Para mostrar que Ele jamais pensou
e ab-rogar a lei, nosso Senhor Jesus exemplificou todos os seus preceitos em
Sua própria vida”.
“Mais ainda. Esse mesmo pregador de fama mundial, em seu célebre sermão publicado The Perpetuity of the Law of god (A Perpetuidade da Lei de Deus), págs. 4 e 5, diz:
“Jesus
não veio para mudar a lei, mas sim para explicá-la, e justamente por essa
circunstância mostra que ela permanece; visto não haver necessidade de explicar
o que é abolido. Com essa exemplificação, Ele a confirmou”.
“Se
alguém me diz: ‘Eis que em substituição aos Dez Mandamentos recebemos dois, que
são muito mais fáceis, responder-lhe-ei que essa versão da lei não é de maneira
alguma mais fácil. Uma tal observação implica falta de meditação e experiência.
Esses dois preceitos abrangem os dez, em seu mais amplo sentido, não podendo
ser considerados exclusão de um jota ou til dos mesmos’”.
SOMOS SALVOS
UNICAMENTE PELA GRAÇA
Bem sabemos do perigo do legalismo, pois, conforme plenamente sabemos, é impossível ao homem natural obedecer a Deus por suas próprias forças. Deste modo a Lei de Jeová, por ser tão Santa, sempre irá condenar o homem, independentemente de qualquer esforço seu em tentar obedecê-la (Isaías 64:6). E este foi o sentido empregado pelo apóstolo ao nos dizer “a letra mata, mas o espírito vivifica (2 Coríntios 3:6)”; todavia, este mesmo apóstolo nos dá a seguinte conclusão final: “E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum!” (Romanos 6:15 RA).
Digo
isso porque muitos evangélicos também citam a
expressão de Paulo – “não estamos debaixo da lei” (Rm 6:14-15; Gál 5:18) como
querendo significar que a lei moral foi abolida.
Contudo, considerando todo o
contexto das epístolas de S. Paulo, o que insofismavelmente
se depreende é que a expressão “debaixo
da lei” significaria “debaixo da condenação da lei”. Não estar
debaixo da lei, deste
modo, não quer dizer estar
desobrigado de cumpri-la, mas sim não ser culpado de sua transgressão. A única
maneira de não estarmos debaixo da lei é cumpri-la. Se transgredirmos uma lei,
incorremos em multa, prisão, ou qualquer punição enfim.
“A graça divina não erradica a lei dando ao homem
licença para pecar. Isto é amplamente expresso em Romanos 6-8”.
“O
texto diz que não estamos debaixo da “maldição da lei”. Isto quer dizer que não
estamos debaixo da “condenação” da mesma, que é a morte eterna. Note que Paulo
fala que fomos libertados da maldição
(morte) e não da guarda. Devemos
obedecer aos mandamentos não para sermos salvos, pois a graça de Jesus nos
salvou; mas sim, obedecer por amor,
demonstrando que aceitamos tal salvação.
A obediência por amor demonstra o tipo de fé que temos, se é uma fé
forte e verdadeira (pela obediência) ou se é fraca e falsa (pela
desobediência)”.
O
próprio Apóstolo Paulo disse que “tinha prazer na lei de Deus” (Romanos 7:22).
SEMPRE
MANTENHAMOS A VONTADE DO ESPÍRITO EM PRIMEIRO LUGAR
Alguns irmãos dizem ainda que não devemos dar tanta atenção à Lei divina (ou mesmo à bíblia!), pois o que importaria mesmo seria apenas seguir o Espírito. Contudo, olvidam que é o próprio Espírito que veio nos convencer “do pecado, da justiça e do Juízo” (Jo 16:8), e, como o pecado é a transgressão da Sua Lei, é óbvio que não poderíamos sequer ser convencidos da nossa atual condição pecaminosa sem ela. E por decorrência lógica, nem mesmo existiriam mais pecadores, vez que não seria possível transgredir uma lei que não mais exista. E se continuarmos ainda nesse raciocínio tortuoso, pelo fato de não mais existirem pecadores, também não mais precisaríamos de um Salvador. Concluímos que os adeptos de teorias que menosprezam a lei divina, acabam, inequivocamente, por desembocar num velado desprezo pela salvação ofertada por intermédio do Senhor Jesus Cristo.
SE A
LEI NÃO NOS SALVA, ENTÃO QUAL É A SUA REAL FUNÇÃO?
Em Romanos 3:19, 20 Paulo diz que não somos salvos pela lei porque a função dela é nos dar conhecimento de que somos pecadores. Essa função da lei é novamente apresentada pelo apóstolo em Romanos 7:7.
Podemos comparar a lei a um espelho. Quando estamos
com nosso rosto sujo, vamos ao espelho a fim dele nos mostrar onde está a
sujeira. Se não tivéssemos o espelho, não saberíamos que estamos sujos. O
espelho não limpa; apenas mostra onde estamos sujos; quem limpa é
a água.
O mesmo se dá com a lei. Ela serve para nos mostrar
o pecado, mas não limpa. Quem limpa é Jesus Cristo através de sua
graça.
Assim como ao nos limparmos não devemos jogar fora o
espelho após ele nos mostrar a sujeira, não devemos jogar fora lei após ela nos
mostrar a sujeira do pecado. Se o fizermos, não teremos mais o espelho
que nos mostra onde está o pecado para podermos ir a Cristo, que nos limpa do
pecado.
O
próprio Apóstolo Paulo disse que a “lei é santa; e o mandamento, santo, e
justo, e bom” e que tinha prazer nela (Romanos 7:12 e 22).
E nós todos concordamos que S. Paulo jamais foi contra a lei
de Deus; era contra sim a forma errada como muitos judaizantes a guardavam. A
lei, quando colocada em seu devido lugar (não como meio de salvação mais sim
como um guia de conduta que nos orienta e um espelho que nos mostra nossa
condição pecaminosa para que possamos ir a Cristo e ser salvos – ver Gl 3:24),
é uma bênção. Faço minha a conclusão do Apóstolo Paulo sobre o assunto:
“Sabemos,
porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo” (1 Timóteo
1:8 RA).
Em
outras palavras, nós nunca deveremos tentar seguir a Lei objetivando “ganhar” o
Espírito. Pois ao proceder deste modo estaríamos, invariavelmente, sendo
condenados pela mesma lei. Somente quando o Espírito habita em nós e então nos
purifica, é que nos tornamos então aptos a produzir os frutos do Espírito na
exata medida em que permanecermos ligados a Ele.
A LEI É ALGO
CRIADO POR DEUS?
Outra coisa que alguns irmãos da igreja batista de Vancouver estavam tentando me explicar foi que Jesus havia “criado” a Lei, e, justamente por essa razão, não faria sentido que ele estivesse subordinado à mesma, no sentido de dever também obedecê-la quando “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens”. Mas não concordo que a real natureza da Lei do Pai (e de Jesus, pois ambos são UM) possa ser explicada em termos tão simplórios.
Deus
não poderia ter “criado” uma Lei Eterna; seria até mesmo ilógico o mero ato de
se cogitar quanto a esta hipótese, pois se algo é Eterno, o é assim justamente
porque nunca teve início nem jamais terá fim. E sabemos que Deus é o único que
é eterno e imortal (1 Timóteo 6:16). E ao desvelar o atributo da eternidade da
Sua Santa Lei – “A tua justiça é justiça eterna, e a tua lei é a própria
verdade”. (Salmos 119:142 RA) – outra coisa não fez o SENHOR senão
vinculá-la inerentemente à Sua própria natureza imutável e divina. Portanto,
não poderia jamais ter sido criada.
Digo
isso por presumir a probabilidade de um mal entendido entre nós quanto à
inteligência deste tema, vez que o significado de Lei por mim pretendido foi no
sentido dela ser uma expressão sinônima do caráter do próprio
Deus. E este caráter, por ser o segredo e a fonte do mais
exaltado e Sublime Amor, não precisaria necessariamente ser declarado por um
ato “Legislativo” ou meramente formal.
E
estas coisas são assim porque os insofismáveis atributos de Amor, Justiça e
Benignidade ou Bondade do Criador (Seu caráter) não dependeriam, para que
pudessem ser manifestos aos seres criados, de qualquer “esclarecimento formal”
que esse mesmo Criador resolvesse, nalgum ponto da eternidade, tornar de forma
peculiarmente manifesta às suas criaturas.
A
título meramente ilustrativo, permita-me realizar uma rude comparação. Imagine
que você tenha recentemente criado uma conta no facebook. Ocorre que
nesse site é facultado o preenchimento de um “perfil” do usuário, de modo que
os demais internautas possam melhor conhecer uns ao outros. E essas coisas são
assim em decorrência do elemento da alteridade, o qual é imanente às
relações humanas.
Então
lá está você, disposto(a) a que outros, que nunca o viram em pessoa
anteriormente, possam ter algum vislumbre do seu ser. E assim começa então a
digitar a melhor descrição passível de ser feita a respeito da sua pessoa,
gostos, hábitos, preferências e atribuições.
E a
realidade objeto desse ato descritivo, a qual não é senão o seu próprio
caráter, certamente já era preexistente desde o começo, independendo, portanto,
de que nalgum dia você viesse a decidir torná-la então manifesta por um ato
escrito meramente formal. Mas a despeito da feição meramente representativa do
ato, por este exprimir alguns dos mais radiantes traços do seu caráter, tais
como o carinho pela sua família e o indizível amor pela sua descendência, seria
então com o mais profundo pesar que você observaria a destruição e contradição
a tudo que você mais ama e se alegra tal como expressamente descrito nesse perfil.
Nele ali estariam, expressos em palavras, as mais profundas convicções
da tua alma: - “que não me desamparem os meus amados”; “que não machuquem
aqueles a quem mais quero bem”. E certamente que a ofensa ao menor desses
preceitos reveladores que são do teu humano amor, seria reputada como a mais
angustiante traição, digna de toda a tua indignação.
A
mesma coisa ocorre com o nosso Criador. Sua perfeição de caráter e benignidade
teve de ser “formalmente” descrita no monte Sinai porque os israelitas, em
decorrência de terem sido escravizados no Egito através de muitas gerações,
acabaram por se tornar, em virtude disso, grandemente embrutecidos; e por terem
sido assim tratados, desde a infância, como animais, viviam então como animais.
Desconheciam, portanto, aquele tipo de sensibilidade moral mais desenvolvida
que atualmente possuímos por não termos sido, dentre outros fatores, escravos de
outra nação.
Daí
nosso Deus ter julgado pertinente “relembrá-los” da Sua perfeita Bondade
mediante o ato de gravar em tábuas de pedra, e numa linguagem que eles pudessem
entender até então, aquilo que seria a descrição – em sinais humanos – da Sua
Glória. Moisés pediu ao Senhor para que visivelmente lhe manifestasse essa
glória, ao que o SENHOR respondeu: “Farei passar toda a minha bondade
diante de ti” (Êxodo 33:19). E ainda dentro da mesma solene ocasião e nesse
mesmo contexto fático foi quando então o SENHOR entregou a Sua Lei escrita à
humanidade. Ela representa a Sua Glória. Explicando melhor, não foi a bondade
ou o caráter do Deus eterno, ontologicamente considerado, o
que foi gravado na matéria mineral sólida; pois não se pode tomar o símbolo em
lugar da realidade para a qual o mesmo aponta.
Vemos
assim que os Dez Mandamentos, a despeito de toda a aparente formalidade que os
impregna, não é senão uma revelação de quão Maravilhosa e Benigna é a
Personalidade imutável do nosso Deus e Redentor. Isso porque assim como Ele não
mata, não rouba, não adultera (ou seja, não é infiel) e assim por diante, de
igual maneira é que Ele deseja que reflitamos esse maravilhoso amor, o qual já
é agora perfeitamente manifesto na Glória que resplandece da face de nosso Senhor
Jesus Cristo.
Deste
modo, assim como a superfície de um lago reflete os radiantes raios de sol, de
igual maneira devemos nós cristãos também refletir os brilhantes raios do Sol
de toda Justiça, Benignidade e Retidão.
Para
ilustrar este ponto, refiro-me a um acontecimento histórico interessante. É
sabido que os discípulos de Aristóteles costumavam segui-lo enquanto ele saía
nas suas habituais caminhadas, e o faziam de tal maneira que até mesmo
peculiaridades do seu jeito de andar e gesticular eram, pelo caminho, fielmente
imitados e reproduzidos em si mesmos. Por isso lhes foram dados o nome de
peripatéticos, pois seguiam exatamente nas pegadas do seu mestre.
E
se meros seguidores de vãs filosofias assim procediam, quanto mais nós,
cristãos, deveríamos então buscar refletir o mais fielmente possível em nossas
vidas a dAquele a quem chamamos de Senhor. Ele é o nosso perfeito Modelo.
Ele é, verdadeiramente, o Homem que é a medida de todas as coisas.
É
por isso que não discordo que o seguir o Espírito do nosso
Senhor Jesus Cristo, sincronizando-se ao Seu ritmo os nossos passos (tal
como soldados enfileirados enquanto marcham de forma impecavelmente cadenciada
ante a sublime entoação do hino da sua nação) é a verdadeira forma de
adoração e exemplificação em nós mesmos da virtuosa vida de Jesus. E como
sabemos que Deus não muda (Malaquias 3:6), também não poderia ser modificada a realidade
para a qual o “signo” corporificado nos Dez Mandamentos aponta: a
Verdade encarnada.
“Havendo
Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro
de todas as coisas, pelo qual também fez o Universo” (Hebreus 1:1, 2).
E
onde poderemos conhecer mais dessa Verdade ora aqui anunciada? Respondeu-nos o
próprio Verbo Eterno encarnado: "Santifica-os na verdade; a
tua palavra é a verdade". (João 17:17).
“Em
Sua palavra, Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à Salvação. As
Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizada e infalível revelação da
Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, o teste
para avaliar a experiência religiosa. `Toda a Escritura é inspirada por Deus
e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado
para toda boa obra´. (2 Timóteo 3:16, 17)”.
E para encerrar a postagem de hoje, quando eu
disse que não “obedecemos a Lei para sermos salvos, mas a obedecemos justamente
por estarmos assim já salvos”, o que eu quis realmente dizer, traduzindo
conforme o mais elaborado raciocínio acima é que, pelo fato dos cristãos que
seguem o verdadeiro ritmo do Espírito já possuírem estampados nas suas mentes o
glorioso caráter de nosso Senhor, seria apenas uma decorrência lógica que eles
então extravasassem esse divino amor a si concedidos (extravasamento este cujo
corolário seriam os “frutos do Espírito”) numa conduta à semelhança de Cristo,
com a realização das mesmas obras que Ele realizara enquanto vivera na terra
como o Deus Conosco, Emanuel.
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